segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Igreja Mudou minha Vida

Sempre segui a risca e adorava o dito: de graça até injeção na testa. E olha que eu nem precisava de tantas coisas gratuitas que aceitava.
Ônibus errado, bala, pedacinhos de papel sem valor algum, consulta odontológica, óptica, de coração, tratamento capilar, chimarrão, sucos, chocolates, bergamotas nos mercados, abraços entre tantas outras coisas.
E o que eu podia eu guardava. Frascos de amostra grátis, pacotes de erva-mate e, até, copos. E eu idolatrava aquilo. Todo o sábado limpava um por um todas aquelas bugigangas.
Mas me ocorreu um fato que me fez mudar tudo o que eu pensava sobre o assunto. Estava caminhando em busca de nada, pelo centro, quando, de repente, alguém me estende um jornal. Sem hesitar perguntei se era de graça. Claro que era, era um jornal de igreja. Peguei e ainda comentei: de graça até choque. Talvez tenha sido aí o meu erro. Uma vez me disseram: “não dê assunto pra desconhecido”, mas por alguns instantes eu me esqueci, ou não dei bola ou até imaginei que estava falando com alguém inofensivo. Mas saiu e só percebi depois que já tinha fechado a boca.
Sem pestanejar, a moça que estava distribuindo os jornais me perguntou se eu desejava colocar meu nome para a oração. E não é que eu aceitei. Quando eu estava escrevendo meu nome, cuidei pra cima e já estava vindo mais uns três da igreja ao meu encontro. E vinham... e já estavam a uns cinco metros e eu ainda estava no Nunes, ainda faltavam mais dois nomes. E eles cada vez mais perto. Dois vestindo preto e mais uma de branco atrás deles.
Nem bem eu tinha me posto ereto, ofereceram pra que eu fosse visitar a igreja deles. Vacilei. Até nem ia entrar. Já pensava numa desculpa boa pra não ser mal educado e ir embora e esperar que orassem por mim. Mas, ao mesmo tempo em que a moça de calça branca colocava meu nome numa caixinha que estava no chão- ela naquela posição, com a marca de uma minúscula calcinha e eu que já tinha uma tara especial por mulheres de calça branca- a moça do jornal ainda brincou: “é de graça”. Irresistível. Não pude me conter e entrei. Afinal saí de casa em busca de nada, o que viesse seria lucro.
Mostraram-me toda aquela rica igreja e me deixaram ir embora, saí dali pensando: como eles têm tanto dinheiro? Antes das sete, quando eu já estava em casa, o pastor, eu acho, bateu na minha porta.
_ Vim te convidar pra assistir a reunião hoje. Falou antes mesmo de eu poder perguntar como ele havia descoberto meu endereço.
_ Aceita uma carona? Indagou novamente, isso tudo em questão de segundos.
Aquele monte de informações na mesma hora me agoniou tanto que não sabia nem o que falar.
_Hã? Foi o máximo que consegui pronunciar.
_ Sim, vamos à reunião? Começa daqui a pouco! Insistia aquele homem.
_ Não vou. Não adianta insistir, se tu não sair daqui agora mesmo vou chamar a polícia.
Fechei a porta. Espiei pelo olho-mágico e ele ainda estava na mesma posição.
Fui um grosso com aquele pobre rapaz, mas se eu não falasse tudo aquilo tenho certeza que ele iria me convencer de ir naquela maldita reunião. E eu ainda tinha que ver o jogo da Seleção Brasileira contra um combinado de Uzbequistão. E como eu iria perder um jogão desses?
Olhei novamente, uns dois minutos depois, ele já havia saído.
Ufa! Estou livre.
Por fim nem consegui olhar o jogo. A TV a cabo que recém tinha assinado estragou. Fiquei olhando Torre de Babel, na Globo.
Pior foi que não dormi a noite inteira. Uma paranóia dessas que nos transforma em algo semelhante a uma barata tonta. Perdi horas daquela noite fria colocando todos aqueles lixos que ganhei e não tinham serventia nenhuma. Só serviam pra juntar traças, baratas e uns bichinhos cinza que não sei o nome.
O pesar foi quando terminei de juntar tudo aquilo em dois sacos e coloquei-os na lixeira. Apesar de ser lixo, era meu.
Já eram quatro horas da matina, o sol ainda nem havia despontado, quando decidido a nunca mais pegar nada que fosse de graça, fui dormir.
Às oito horas já estava no colégio. Foi quando o professor de matemática propôs um desafio. Falou brincando:
_ Quem conseguir resolver esse exercício vai ganhar uma viagem pra Bagdá.
Uma tentação, apesar de saber que lá está sempre explodindo bombas. Eu fui o único da turma que conseguiu resolver o exercício, sabia que tinha acertado. Sequer mostrei ao professor.
Mais tarde, voltando pra casa, fui encher o tanque do carro e, sorridente, vinha uma moça com um copo d’água numa bandeja. Veio pro meu lado e nem falou nada, só me alcançou. Eu sempre aceitava, embora não estivesse com sede.
_ Não, obrigado. Estou de dieta. Ela riu.
Foi a coisa mais inteligente que eu consegui falar.
Agora, nem papel na rua eu pego. Nem por educação. Nem pra largar na primeira lixeira que encontrar.
E o pior é que eu fico imaginando os milhares de descontos e oportunidades que eu posso perder, mas não pego.
Sou um grosso!
E foi a igreja que me deixou assim.

ELDER NUNES CORRÊA JUNIOR

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